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Entrevista Iuri Tavares: «Na MLS não há equipas que jogam para defender, só para ganhar»

* Em Charlotte

Com dez anos vividos na formação do Benfica e depois de mais quatro anos entre V. Guimarães e Estoril, Iuri Tavares deixou Portugal para a primeira aventura no estrangeiro.

Cruzou o Atlântico e desembarcou nos Estados Unidos, mais concretamente em Charlotte, onde cumpre a terceira época na equipa da cidade, que milita na MLS. «Ao início eu não estava muito virado para aceitar», diz, sentindo agora, dois anos e meio depois, que tomou a decisão certa e que é hoje um jogador mais valorizado quando deixou o Estoril. Apesar de feliz, quer voltar à Europa. «Foi sempre o meu objetivo. E estou a considerar, porque tenho clubes interessados em Portugal e fora de Portugal.»

Em entrevista ao Maisfutebol, o jogador de 24 anos falou sobre os objetivos do Charlotte FC, do patamar competitivo da MLS, do efeito Messi e, claro, dos muitos anos na formação do Benfica, que o moldaram como jogador e homem, dos melhores companheiros de equipa que apanhou e ainda dos treinadores que mais o marcaram.

Maisfutebol – Terminámos agora uma visita à academia do Charlotte FC conduzida pelo Iuri. Parece não vos faltar nada aqui. Está ao nível do melhor que encontrou nos clubes por onde passou, nomeadamente o Benfica, onde esteve muitos anos?

Iuri Tavares – As condições aqui são maravilhosas e não há muita diferença. A diferença é que em Portugal há três ou quatro clubes com estas condições, mas aqui nos Estados Unidos todos os clubes têm estas condições ou melhores.

Chegou ao Charlotte FC no início de 2023. Que balanço faz destes dois anos e meio?

Têm sido incríveis. Eu estava no Estoril a jogar nos sub-23 e ia para o banco em alguns jogos na equipa principal, mas acabei por não jogar. Vim para cá e comecei por jogar na segunda equipa.

Já sabia que ia começar por aí?

Era esse o projeto, sim. Mas quando surgiu a proposta eu não estava muito virado para a proposta que tinham para mim. Porque estar a jogar sub-23 em Portugal e quase a transitar para a equipa principal e vir jogar para uma segunda equipa nos Estados Unidos parecia-me arriscado. Mas acabei por confiar em mim e também tive a ajuda do José Tavares [treinador do Crown Legacy, segunda equipa do Charlotte FC], que agora está no FC Porto, que me convenceu e mostrou a realidade que era o Charlotte. Acabei por vir e de alguma maneira ter sucesso nestes dois anos e meio aqui. Tenho vindo sempre a evoluir e hoje jogo na MLS, a melhor Liga dos Estados Unidos.

Foi o José Tavares que dissipou todas essas dúvidas que o Iuri tinha?

Na verdade, eu não queria vir. Mas ele falou-me tudo o que ia acontecer. Tudo o que me aconteceu nestes dois anos e meio, ele projetou-me nessa altura. Deixou-me mais tranquilo e foi mais fácil tomar a decisão de vir para cá. Também teve peso o facto de eu ter família a viver nos Estados Unidos, em Boston: a minha mãe, os meus irmãos mais novos, tios e tias. Isso também facilitou a minha vinda para cá.

E a adaptação foi fácil?

Muito fácil. Quando em cheguei cá, fui logo o jogador do mês no meu primeiro mês, a jogar na segunda equipa na altura. E daí para a frente foi sempre a subir: golos, assistências e a nível profissional e pessoal foi muito fácil adaptar-me, porque as pessoas também são muito acolhedoras. O clube em si é maravilhoso e as pessoas são cinco estrelas. Ajudam e estão sempre preocupadas em saber se precisamos de alguma coisa.

E no primeiro ano esteve sempre na segunda equipa do Charlotte FC?

Estive quase o ano inteiro sempre na segunda equipa. No final da época fui treinar algumas vezes à equipa principal, para preparar a transição. Mas tivemos muito sucesso na segunda equipa. Fomos para os playoffs no primeiro lugar e perdemos um jogo que não nos correu bem, mas amassámos todas as equipas da Liga. E eu fui o melhor marcador da minha equipa, fiz assistências e fui algumas vezes o jogador do mês.

A jogar essencialmente como extremo-esquerdo?

A extremo, na posição 9 e também como 10. Com o mister José Tavares tinha liberdade para jogar onde eu quisesse. Podia começar como extremo-esquerdo, mas podia acabar a 10 ou a 9. Agora tenho jogado a extremo-esquerdo e a 10.

Onde é que prefere jogar?

A minha posição de origem é extremo-esquerdo, mas a minha favorita, aquela onde eu sinto que me destaco mais é a 10, como segundo avançado. Mas jogo em qualquer posição da frente. Faço bem qualquer uma das posições.

E o nível dessa segunda equipa?

Não é tão competitivo como numa equipa B da II Liga. Mas é basicamente igual aos sub-23.

Em 2024 estreou-se na equipa principal do Charlotte FC. Saiu maioritariamente do banco, mas participou em quase todos os jogos da MLS, com a equipa a apurar-se pela primeira vez para os playoffs.

A minha primeira época na MLS correu bem. As pessoas acham que aqui não há qualidade, intensidade ou agressividade, mas é completamente o contrário. Eu quando vim para cá também tinha outra ideia. Achava que ia ser tudo mais tranquilo e que podia relaxar. Não tinha mesmo noção do patamar do futebol de cá. Vinha de Portugal, onde tinha estado em equipas como o Benfica, o Estoril, o V. Guimarães e o Belenenses, clubes onde há jogadores com muita qualidade, e achava que ia ser fácil, mas não foi fácil. Aqui, o futebol é muito mais intenso, muito mais agressivo.

E não tem uma componente tática muito vincada, parece-me.

Sim. O jogo está sempre partido e são poucas as equipas que gerem a bola. Os jogos são um constante suspense. Uma equipa a atacar, outra a atacar e sempre assim. São raras as equipas que param o jogo e que têm uma ideia de jogo considerada mais «normal». Não há propriamente um jogador que pensa o jogo com calma ou que gere os ritmos. Por isso, o jogo é muito mais agressivo e intenso.

Prefere o futebol assim? Mais selvagem, digamos assim?

Não. Para as características que eu tenho, prefiro um jogo mais pensado do que agressivo. É nisso que se destacam as melhores equipas e os melhores jogadores do Mundo. Na inteligência. Não adianta termos muita agressividade e intensidade se não formos inteligentes a jogar. No futebol, na minha opinião, a diferença é feita à base da inteligência e os jogadores mais inteligentes estão nas melhores equipas do Mundo.

Sente que o futebol aqui vai ser sempre assim, ou já se vai notando uma certa evolução tática?

Acho que já está a evoluir e que está muito diferente do que era há uns anos. Há equipas aqui que já jogam muito bem e que teriam sucesso se jogassem na Europa.

Quais?

Gosto muito da forma como joga o Columbus Crew, o Inter Miami e o Cincinnati. São clubes com características diferentes do que é o padrão nos Estados Unidos. A Liga está a evoluir.

Um dos campos do centro de treinos do Charlotte FC, nas imediações de Charlotte

Esta época não tem jogado tanto como na época passada…

É verdade. Esta época não tem sido a melhor para mim e não tenho jogado muito. Mas são fases que acontecem. É o futebol e há que continuar a trabalhar e esperar sempre pela oportunidade.

Quais são os objetivos do Charlotte FC para esta época? Apurar-se para os playoffs? Fazer ainda melhor do que na época passada, em que caíram na primeira fase dos playoffs?

O nosso objetivo é sempre chegar o mais longe possível e, se possível, ganhar. Porque temos qualidade para nos batermos com as melhores equipas da MLS e já o demonstrámos no ano passado. Mas o futebol aqui é muito competitivo e não há equipas muito mais fortes do que outras. Todas ganham e todas perdem.

Prova disso é o que está a aconteces com o Los Angeles FC, campeão em título e esta época a equipa com pior registo entre as 30 da MLS, não é?

Exato! E depois há Philadelphia, que ficou lá para baixo na época passada e este ano está em primeiro lugar. Aqui é tudo muito irregular, porque a Liga é muito competitiva. Não é como na Europa, em que há quatro ou cinco equipas que se destacam nos países, ganham quase sempre e há grandes diferenças de orçamento comparativamente com outras da mesma Liga. Aqui é completamente diferente: está tudo mais ou menos ao mesmo nível e com as mesmas condições, até a nível salarial, e as equipas acabam todas por ter uma qualidade semelhante. Todas as equipas têm dois ou três jogadores craques e que fazem a diferença. É isso que faz com que haja estas oscilações de ano para ano.

Isso também vos motiva mesmo quando as coisas parecem não estar a correr tão bem, acredito.

Dá confiança, como é óbvio. Até podemos estar em 7.º, 8.º ou 9.º, mas se formos aos playoffs temos a possibilidade de ganhar o campeonato. Há nove equipas que se qualificam de cada lado e todas podem ganhar. Por isso há sempre aquela esperança de fazer algo bonito e o nosso objetivo aqui em Charlotte é ganhar o campeonato.

E o facto de não haver descidas de divisão aqui liberta-vos? É positivo? Ou também pode criar por vezes algum relaxamento?

É diferente, confesso. Penso que acaba por haver um pouco mais de tranquilidade. Não há tanta pressão como na Europa, mas eu gosto de jogar sob pressão, debaixo de adrenalina. Gosto de ganhar e não gosto nada de perder. Venho de Portugal, onde a mentalidade é sempre ganhar e é frustrante quando não ganhamos. Mas o facto de ninguém descer de divisão faz com que seja mais tranquilo. Mas não consigo dizer se é melhor ou pior.

Mas talvez também seja por isso que os jogos não têm tanto aquela componente tática e as equipas se expõem mais, não?

Aqui não há equipas que jogam para defender ou que queimam tempo. Aqui ninguém joga para o empate. Só para ganhar. Sempre olhos nos olhos.

Já estava nos Estados Unidos quando o Messi chegou à MLS, no verão de 2023. Ficou surpreendido por ele decidir vir jogar para cá?

Fiquei surpreendido, sim. Porque é o Messi. Acho que toda a gente no Mundo ficou em choquei. Isso foi muito comentado aqui, a malta ficou toda muito contente. Acredito que tenha sido igual com o Cristiano Ronaldo no Al Nassr, em que também foi um choque. Mas a Liga cresceu muito desde que o Messi chegou.

Onde nota mais esse crescimento?

Na adesão do público, completamente. Onde ele vai, os estádios ficam lotados. E mesmo na forma de jogar: o Messi nunca jogou em equipas com um futebol partido e por isso o Inter Miami não joga assim. Adaptou-se para que ele esteja confortável, porque o Messi tem de jogar numa equipa que tenha bola, como é o caso do Inter Miami. E acho que a maneira como o Inter joga influenciou algumas equipas. Por exemplo, o Columbus Crew não era há dois anos a equipa que é hoje. Joga muito mais em posse e tmm uma maneira de jogar que é bonita de se ver. Penso que isso vem da influência da chegada do Messi.

E como é que o soccer é vivido numa cidade que tem uma equipa profissional de futebol americano (Carolina Panthers, da NFL) e outra da NBA (Charlotte Hornets)? Não vive um bocado na sombra de dois desportos que são mais populares nos Estados Unidos?

Acho que o futebol vive um pouco à sombra do futebol americano, mas não do basquetebol. O Charlotte FC está a evoluir muito aqui. É uma equipa recente [estreou-se na MLS em 2022] e em pouco tempo já luta para os playoffs e há qualidade para ganhar o campeonato. E tem-se notado que o clube tem crescido muito na cidade, até pelo exemplo dos jogos, em que o estádio tem sempre muita gente. Não é normal uma equipa tão jovem estar já a ir aos playoffs e a meter 50 a 60 mil pessoas por jogo. É quase um Estádio da Luz.

Isso faz do Charlotte FC uma das equipas com melhores assistências da MLS?

Sim, sim. Há cada vez mais pessoas a ir ao estádio e tenho visto isso desde que cheguei. E o facto de termos chegado aos playoffs pela primeira vez no ano passado dá mais vontade de vir ao estádio.

E porque é que diz que não vivem à sombra do basquetebol?

Porque os Charlotte Hornets ganham poucos jogos e não atingem as metas que nós atingimos em tão pouco tempo e que as pessoas não esperavam.

Bank of America Stadium, casa do Charlotte FC e palco do Benfica-Bayern Munique

E o Mundial de Clubes? Não sente que o país está a passar um bocado ao lado da competição?

Este Mundial acontece no verão, numa altura em que quase toda a gente está a viajar nos Estados Unidos para ir ver as famílias. E isso faz com que os estádios tenham menos gente. O povo americano viaja muito, principalmente no verão, e o futebol também não é tão popular como na Europa. Tudo isso faz com que alguns estádios estejam por vezes um pouco vazios e não haja tanta emoção com acharíamos que podia haver.

Mas acha que o Mundial de seleções no próximo ano vai ser diferente? Até pelo fervor patriótico que é tão característico dos americanos?

Claro que sim. Primeiro, porque é o Mundial. Este é o Mundial de Clubes e trata-se de torcer por clubes e os americanos não têm clubes. Torcem por todas as equipas. Ontem o Real Madrid jogou aqui em Charlotte contra o Pachuca e só se via adeptos do Real Madrid. E o estádio estava lotado, até na parte de cima. Claro que há malta que viaja, adeptos que acompanham o clube, mas a maior parte das pessoas era daqui. Mas claro que estamos a falar do Real Madrid, que enche sempre qualquer estádio. Mas o Mundial, no país deles e com a seleção americana a ter uma das melhores gerações de sempre, acredito que vai ser completamente diferente e muito mais vivido do que este Mundial de Clubes.

E relativamente a si: qual é o próximo passo a dar na carreira? Gostava de ficar mais tempo nos Estados Unidos ou tem nos planos um regresso à Europa e em particular a Portugal?

Estou feliz, gosto do país e do clube, mas o meu objetivo sempre foi voltar à Europa. E estou a considerar, porque tenho clubes interessados em Portugal e fora de Portugal. Estou a analisar isso com bastante agrado. Tenho bastantes possibilidades de voltar para a Europa já neste verão. Sinto que me valorizei ao vir para cá.

Não o prejudicou o facto de vir para longe e estar num país mais periférico do ponto de vista futebolístico?

Pelo contrário, só me ajudou. Quando saí, estava nos sub-23 do Estoril e nem na equipa principal jogava. Quando vim para cá, não tinha o valor que agora tenho e hoje estou muito mais valorizado do que nos anos em que estive em Portugal. Isso despertou interesse de alguns clubes em Portugal e fora. Fico contente por isso, porque valeu a pena sair e o esforço que tive de fazer de vir para um país longe.



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