* Em Charlotte
«Air», filme biográfico de 2023, retrata os bastidores do negócio entre uma Nike em crise e o jovem Michael Jordan, então acabado de chegar à NBA.
O negócio, assinado a 26 de outubro de 1984, precisamente o dia em que começou a temporada, contemplou um negócio sem precedentes: além do pagamento de 2,5 milhões de dólares em cinco anos (500 mil dólares por ano), 25 por cento em royalties por cada par de sapatilhas vendidas com a imagem do jovem Jordan.
O resultado foi um win-win que excedeu largamente as expectativas iniciais e que se mantém até aos dias de hoje, 41 anos depois e já com Jordan, então com 21 anos, na casa dos sessentas. Em 2024, Jordan faturou só em royalties perto de 260 milhões de dólares (€223M) e a marca do ex-basquetebolista representou 14 por cento (7 mil milhões de dólares, perto de 6 mil milhões de euros) das receitas totais da Nike (51,4 mil milhões de dólares (€44MM).
Esse foi o mais mediático, mas não o único negócio altamente lucrativo celebrado por Michael Jordan, hoje um homem de negócios com múltiplas parcerias e proprietário, durante 13 anos, de uma equipa da NBA que vendeu em 2023: os Charlotte Hornets, da cidade onde o Benfica defrontou nesta terça-feira o Bayern Munique e voltará a jogar no sábado diante do Chelsea, nos oitavos de final do Mundial de Clubes.
No início de 2010, Jordan tornou-se dono maioritário da franquia da Carolina do Norte, reforçando os poderes que lhe foram concedidos quatro anos antes, quando se tornou acionista minoritário e responsável de operações da equipa.
O ex-basquetebolista desembolsou 275 milhões de dólares e a equipa, criada em 2002 pelo magnata Bob Johnson a troco de 300 milhões pagos à NBA pela taxa de expansão, mudou de mãos.
Por essa altura, os então denominados Charlotte Bobcats estavam descapitalizados. Desportivamente, nunca, desde a estreia em 2004, tinham conseguido atingir os playoffs (conseguiram-no pela primeira vez semanas após a aprovação da compra de Jordan). Financeiramente, o cenário também estava longe de ser famoso: uma dívida global de 150 milhões de dólares (assumida por MJ) e uma projeção de prejuízo para essa temporada de 30 milhões de dólares (acabaram por ser 20M), consequência da queda nas receitas de patrocínios e de bilheteira, o que se explicava em parte pelos maus resultados e pela transferência da anterior equipa da cidade – os originais Charlotte Hornets – para New Orleans e um hiato de dois anos sem basquetebol, o que esfriou a paixão dos charlottians por um dos desportos mais populares do país.
O cognome Hornets manteve-se ocupado por New Orleans até 2013, um ano depois da equipa ser comprada pelo multimilionário Tom Benson (dono dos New Orleans Saints, equipa da NFL), que decidiu mudar a designação para algo mais vinculativo ao Estado de Louisiana: Pelicans (pelicanos).
Isso permitiu que os Charlotte recuperassem a designação original da equipa da cidade, o que aconteceu em 2014, e se tornarem nos legítimos herdeiros dos Hornets no lugar dos Pelicans, que receberam um novo ano de fundação: 2002.
A jogada, aliada ao efeito Jordan – o melhor basquetebolista da história tornar-se dono de uma equipa da NBA no Estado natal dele – aproximou mais a cidade da equipa, num ano em que Jordan entrou para o clube dos bilionários ao adquirir uma fatia de mais 10 por cento da franquia de Charlotte – então já avaliada em mais de 600 milhões de dólares – e ampliando a percentagem detida para os 89,5 por cento, segundo a Forbes.
Valorização da franquia, o mesmo insucesso desportivo
Durante os 13 anos de Jordan como dono maioritário, o valor da franquia multiplicou-se e registaram-se 11 anos seguidos com resultados financeiros positivos, mas isso não foi acompanhado por um crescimento substancial da qualidade da equipa. A época de 2011/12, a primeira completa após a aquisição do ex-basquetebolista, foi a pior de sempre de uma equipa na NBA – apenas 10 por cento de vitórias (7 em 66 jogos) – e em 13 épocas falhou o play-in ou os playoffs (nunca ultrapassaram a primeira ronda) em nove.
Na última temporada de Michael Jordan, em 2022/23, os Charlotte Hornets ficaram em penúltimo lugar na Conferência Este. «Os anos de Jordan tiveram um burburinho diferente, mas ainda assim nunca os resultados pretendidos», reconhece ao Maisfutebol Shane Connuck, jornalista de desporto do Charlotte Observer, o jornal com maior circulação da Carolina do Norte.
A fraca performance desportiva não impediu a lenda da NBA de vender a franquia, no verão de 2023, por 3 mil milhões de dólares – bem acima da avaliação, que era de 1,7 mil milhões de dólares – a dois homens de negócios: Rick Schall e Gabe Plotkin, que em 2019 já havia adquirido uma participação minoritária ao ex-basquetebolista. Foi, à data, o terceiro valor mais elevado da história da NBA. E MJ tornou-se, meses depois, no primeiro atleta ou ex-atleta a entrar na Forbes 400, dedicada aos americanos mais ricos.
Enquanto isso, os Charlotte Hornets continuaram numa deriva desportiva com a nova administração (Jordan manteve uma pequena percentagem, mas afastou-se das grandes decisões), com um 14.º e penúltimo lugar na Conferência Este em 2024/25 e um 13.º na temporada anterior.
Neste ano, após o fim da fase regular, o The Athletic inquiriu mais de um terço dos jogadores da NBA: 38 por cento deles consideraram a equipa de Charlotte a pior da competição, com uma larga «vantagem» sobre os Washington Wizards (a segunda pior), com 20 por cento. Além disso, 15,2 por cento considou os adeptos dos Hornets os menos entusiastas entre todos.
«Os Hornets ainda atraem um grande público na maior parte das vezes, mas, definitivamente, as pessoas estão mais desanimadas depois de décadas sem sucesso no playoff», reconhece Shane Connuck, destacando por outro lado que a presença de LaMelo Ball na equipa acaba por ajudar a combater o desânimo e mantém o público ligado à equipa e com alguma esperança.
Mesmo que a procura por bilhetes não seja massiva, nota ainda o jornalista, há arenas na NBA bem menos compostas do que o Spectrum Center, que na última época registou, apesar de tudo, uma média de quase 17.200 espectadores por jogo, não muito longe da lotação máxima do recinto, que é de 19.000 pessoas. «Existem mercados da NBA muito piores em todo o país, como pequenas cidades com arenas vazias.»
A crença, ainda que pouca, mantém-se. Faltam os resultados dos Hornets.
Porque os de Michael Jordan estão à vista: tem uma fortuna avaliada em 3,5 mil milhões de dólares.