Os ataques militares dos Estados Unidos contra o Irã levaram a uma resposta rápida de todo o governo federal para reagir a qualquer consequência.
Porm, autoridades afirmam que os cortes do governo, impulsionados pelo DOGE (Departamento de Eficiência Governamental), em diversas agências dificultaram o enfrentamento do conflito e a preparação para possíveis retaliações.
Nas agências federais que lidam com segurança cibernética, centenas de funcionários que estão deixando os cargos aumentaram as preocupações sobre as vulnerabilidades dos EUA a ataques cibernéticos vindos do Irã ou de seus aliados.
A escassez de funcionários na FAE (Agência Federal de Gestão de Emergências) aumentou os temores sobre a preparação da agência para possíveis ameças.
No FBI, a agência federal de investigações dos EUA, alguns agentes que foram transferidos para auxiliar em tarefas relacionadas à imigração estão retornando para se concentrar na missão de contraterrorismo da agência.
No Departamento de Estado, funcionários de carreira com décadas de experiência na região deixaram seus cargos ou foram forçados a deixar suas funções.
E jornalistas da emissora estatal Voice of America afirmam que os esforços do governo para desmantelar a agência impactaram a transmissão da narrativa americana — esgotando o poder de influência do governo — aos iranianos após os ataques a três instalações nucleares do país.
Ainda assim há otimismo de que o cessar-fogo mediado pelos EUA entre Irã e Israel após o ataque americano — e uma resposta iraniana majoritariamente performática, com o lançamento de mísseis contra uma base aérea americana no Catar — diminuirão o risco de retaliações ligadas ao Irã dentro dos Estados Unidos.
Mas, embora a capacidade do Irã de responder militarmente aos ataques americanos e israelenses seja limitada, a capacidade do regime de reagir de outras maneiras é mais robusta.
“Há uma preocupação significativa de que o Irã tente se envolver em táticas cibernéticas ou cinéticas assimétricas em resposta a este conflito”, alertou John Cohen, ex-subsecretário interino de inteligência e análise e coordenador de contraterrorismo do Departamento de Segurança Interna, que liderou o esforço do Departamento de Segurança Interna durante o governo Obama para desenvolver planos de resposta às ameaças do Irã.
Após conflito no Oriente Médio, prioridade dos EUA é segurança da fronteira
Os ataques ao Irã ocorreram após os primeiros meses do segundo mandato de Trump, quando o Departamento de Eficiência Governamental, liderado por Elon Musk, impôs cortes profundos de funcionários em todo o governo, incluindo renúncias e demissões de mais de 100.000 funcionários federais.
Além disso, também houve a tentativa de desmantelamento de várias agências federais, embora muitas das reduções ainda estejam sendo litigadas na justiça.
O governo Trump também mudou suas prioridades, concentrando grande parte de sua segurança interna até o momento na segurança da fronteira.
Como parte do plano para cumprir a promessa do presidente Donald Trump de implementar o maior esforço de deportação da história, o governo, nos últimos meses, direcionou recursos significativos para operações de imigração ou remoção.
Questionado no programa “Meet the Press”, da NBC, logo após os ataques americanos de domingo (22), se o governo estava preocupado com a ameaça do Irã ou de agentes iranianos realizarem um ataque nos EUA, o vice-presidente J.D. Vance destacou os esforços do governo em relação à fronteira.
“Esta é uma das razões pelas quais a segurança das fronteiras é segurança nacional: se você deixar um bando de loucos entrar no seu país, esses loucos podem eventualmente agir”, disse Vance. “Faremos tudo o que pudermos para garantir que isso não aconteça e para manter os americanos seguros.”
Ameaças cibernéticas
Ex-oficiais de segurança afirmam que ameaças de hackers vindas do Irã e pessoas ligadas ao país são uma das formas mais prováveis de retaliação, levando em consideração casos passados.
Desde o início do segundo governo Trump, centenas de profissionais de segurança cibernética de diversas agências federais deixaram o governo federal ou fizeram planos para deixá-lo.
Isso inclui pessoas que foram demitidas, aderiram ao programa de “demissão adiada” ou optaram por sair por outros motivos.
Há preocupação entre autoridades americanas, atuais e antigas, de que a turbulência tenha interrompido o ritmo regular de briefings e a coordenação entre autoridades cibernéticas e empresas de infraestrutura crítica.
A maior parte dos cortes liderados pelo DOGE ocorreu na CISA (Agência de Segurança Cibernética e de Infraestrutura), uma unidade do Departamento de Segurança Interna responsável por proteger redes não militares contra hackers.
“O governo em geral, e a CISA em particular, perderam muitos talentos cibernéticos, e vamos sentir isso”, disse Jeff Greene, que até janeiro atuou como diretor-executivo assistente de segurança cibernética da CISA, à CNN.
“Essas perdas impactarão nossas capacidades defensivas em algum ponto. Se transferirmos mais pessoas para trabalhar na questão do Irã, isso virá de algum lugar. E quanto mais cadeiras vazias, menos podemos fazer”, completou Greene.
O governo Trump rejeitou a ideia de que os cortes na força de trabalho degradaram as defesas cibernéticas.
“Algumas dessas demissões e reduções de efetivo não têm a intenção de impactar a segurança nacional”, comentou um alto funcionário da Casa Branca em uma entrevista em março.
“Acho que também houve muita confusão entre reduções de contratos [com o setor privado]… e demissões de funcionários do governo”, adicionou.
A CISA não respondeu aos pedidos de comentário quando questionada sobre quantos funcionários da área cibernética saíram nos últimos quatro meses.
A porta-voz da agência, Marci McCarthy, afirmou em um comunicado: “A CISA está totalmente focada em executar sua missão estatutária: servir como coordenadora nacional para garantir e proteger a infraestrutura crítica do país.”
Por sua vez, o deputado Mike Simpson, republicano de Idaho, pontuou não acreditar que os cortes governamentais, em geral, seriam prejudiciais à resposta do governo ao Irã.
“Não acho que isso nos prejudique. Podemos lidar com isso. Podemos andar e mascar chiclete ao mesmo tempo. Mas isso é prejudicial? Sim. E é prejudicial aos funcionários”, disse.
Da imigração para o Irã
A transferência de centenas de agentes da lei para cuidar de assuntos relacionados à imigração pelo governo Trump também pode complicar a resposta às ameaças do Irã, afirmam ex-funcionários, mesmo que algumas dessas mudanças tenham sido revertidas nos últimos dias.
Agentes de agências como o ATF, o FBI e o US Marshals Service interromperam parte de seu trabalho atual e se concentraram na imigração.
“Embora tivessem todo o direito de fazer isso, esses são os mesmos recursos que seriam necessários para lidar com as diversas ameaças que poderiam surgir se o conflito com o Irã continuasse a se intensificar”, advertiu John Cohen, ex-subsecretário interino de inteligência e análise e coordenador de contraterrorismo do Departamento de Segurança Interna.
“Para qualquer um que assuma o poder, o mundo real tem um jeito de impactar suas prioridades iniciais”, comentou.
Após os ataques dos EUA, o FBI instruiu vários agentes com conhecimento do Irã, incluindo especialistas em cibersegurança, a deixarem de lado tarefas sobre imigração e focarem Irã.
Fontes enfatizaram que atualmente não há nenhuma ameaça específica e crível conhecida, mas agentes devem estar disponíveis para completar a missão antiterrorismo do FBI devido às hostilidades globais.

A agência afirmou em um comunicado na terça-feira (24) que está continuamente avaliando e realinhando “nossos recursos para responder às ameaças mais urgentes à nossa segurança nacional e garantir a segurança do povo americano”.
Imediatamente após os ataques aéreos dos EUA, um boletim do Departamento de Segurança Interna obtido pela CNN afirmou que o Irã poderia tentar “atingir” autoridades do governo americano se os líderes iranianos acreditassem que “a estabilidade ou a capacidade de sobrevivência” de seu regime está em risco.
Os serviços de inteligência do Irã são capazes de usar hacking para vigiar alvos de assassinato ou sequestro, pontuaram autoridades americanas à CNN, e o FBI é único entre as agências de inteligência e segurança dos EUA em sua capacidade de combater essa ameaça híbrida.
Ned Price, ex-funcionário do Departamento de Estado e do Conselho de Segurança Nacional de Biden e Obama, observou que uma das primeiras ações de Trump foi remover as proteções de segurança de ex-funcionários que estavam sob ameaça do Irã.
“Se a preocupação for real — e concordo que deveria ser de que enfrentamos uma ameaça maior — eles retiraram recursos que contribuem diretamente para a tentativa de neutralizar essa ameaça”, disse Price.
Diplomacia e preparação interna
Agências dos EUA encarregadas de responder a incidentes em solo americano, conduzir a diplomacia e projetar soft power no exterior também estão lidando com reduções de funcionários.
Cortes de agentes e turbulências internas na FEMA (Agência Federal de Gestão de Emergências) estão alimentando preocupações sobre a capacidade da agência de responder caso as tensões com o Irã desencadeiem emergências, disseram vários funcionários atuais e antigos da agência à CNN.
Nos últimos anos, a FEMA desenvolveu planos para lidar com ameaças de adversários estrangeiros, especialmente após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Mas esses esforços, segundo as fontes, foram paralisados, pois líderes importantes e funcionários da linha de frente deixaram a agência e os recursos diminuíram.
Com as Forças Armadas concentradas em operações no exterior, a FEMA desempenha um papel fundamental na gestão de crises domésticas — incluindo incidentes relacionados a terrorismo e segurança cibernética —, protegendo a população dos EUA e garantindo a continuidade das operações do governo federal.

No entanto, a agência tem enfrentado meses de turbulência, marcados por uma onda de saídas, queda do moral e crescente incerteza quanto ao seu futuro.
À medida que os agentes experientes da FEMA saem e os recursos se tornam mais limitados, crescem as dúvidas sobre sua capacidade de cumprir sua missão crítica.
Os cortes de funcionários no Centro de Operações de Emergência de Mount Weather — uma das instalações de resposta a emergências mais importantes do país — estão agravando essas preocupações, destacaram fontes à CNN.
O Departamento de Estado, por sua vez, não tem um subsecretário assistente para o Iraque e o Irã. Não há mais um embaixador americano confirmado no Catar ou na Jordânia, nem um subsecretário de Estado confirmado para o Oriente Médio.
Ex-funcionários do Departamento de Estado dizem que especialistas em diplomacia são essenciais quando se trata de questões complexas como um acordo nuclear com o Irã, algo que Trump ainda afirma desejar.
“Um acordo sólido, verificável e juridicamente sólido exigirá especialistas em ciência, direito, negociação, política nuclear e estruturas internacionais”, afirmou Alexandra Bell, ex-subsecretária assistente do governo Biden no Departamento de Controle de Armas, Dissuasão e Estabilidade de Estado.
“Se você quer acordos, se você quer encontrar soluções diplomáticas, você precisa de diplomatas e não precisa aterrorizá-los”, completou Bell.
Uma fonte do Congresso afirmou que a maior parte da programação sobre democracia estrangeira foi cortada sob o DOGE, mas o governo não está respondendo a perguntas sobre o status de um programa de longa data da sociedade civil no Oriente Médio.
Isso influencia ainda mais quando ele especificamente promove a democracia e o livre fluxo de informações em sociedades fechadas como o Irã.
Um alto funcionário do Departamento de Estado respondeu ao pedido de comentário da CNN, afirmando que funcionários do departamento de governos anteriores “não tinham credibilidade” em relação ao Irã.
Diluindo o ‘soft power’
A maioria dos funcionários da Voice of America (VOA), uma organização de notícias financiada pelo governo que liderou os esforços dos Estados Unidos para transmitir informações ao redor do mundo por décadas, foi afastada em março.
Isso aconteceu após Trump assinar uma ordem para reduzir drasticamente o número de funcionários de sua matriz, a Agência dos EUA para Mídia Global. Atualmente, há processos judiciais em andamento para tentar bloquear os cortes.
Após a campanha militar de Israel no Irã, a Agência de Mídias Globis (USAGM) trouxe temporariamente de volta funcionários da VOA em persa para transmitir em farsi — língua falada no Irã.
Mas cerca de metade desses funcionários passou a fazer parte das demissões generalizadas da Voice of America, anunciadas na sexta-feira (20), um dia antes dos ataques militares dos EUA no Irã, de acordo com jornalistas da VOA.
Kari Lake, assessora sênior da USAGM que lidera o esforço para desmantelá-la, testemunhou em uma audiência na Câmara na terça-feira (24) que a VOA transmitiu com sucesso o discurso de Trump no sábado (21) em farsi.
“Ainda estamos transmitindo em farsi. Às vezes, uma equipe enxuta e eficiente, com menos funcionários, facilita a execução das tarefas”, disse ela.
Mas jornalistas da VOA disseram à CNN que as tentativas de transmitir o discurso de Trump naquela noite foram caóticas devido às demissões, e houve atrasos na publicação online da tradução para o farsi. A tradução em farsi do discurso de Trump nas redes sociais perdeu o áudio após cerca de um minuto.
“Foi um desastre”, relatou um jornalista da VOA, que pediu anonimato para falar abertamente sem retaliação.
Patsy Widakuswara, chefe do escritório da agência na Casa Branca e autora principal em um dos processos movidos pela Voice of America, destacou que a produção televisiva naquela noite para a transmissão em farsi foi prejudicada pela falta de apoio e equipe técnica.
“Eles não tinham tudo o que era necessário para sustentar uma boa transmissão. Esta é uma oportunidade perdida, pois não estamos divulgando a narrativa que normalmente divulgaríamos, que é factual, abrangente e equilibrada”, explicou.
O deputado Don Bacon, republicano de Nebraska, afirmou à CNN que o corte da rádio em farsi foi “miopia”.
“Esse seria um exemplo claro de que eles não deveriam ter feito”, disse Bacon.