Juliana Marins, de 24 anos, encontrada sem vida no vulcão Rinjani, na Indonésia, após quatro dias de buscas intensas, levanta um debate sobre os riscos inerentes às atividades de aventura e a complexidade de operações de resgate em ambientes extremos.
Turistas que conhecem a região e especialistas em resgastes apontam para uma série de fatores que podem ter contribuído para a fatalidade e dificultado o socorro.
Veja: quem é a brasileira que caiu na trilha de um vulcão na Indonésia

• Reprodução/Redes Sociais

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Segundo o especialista Gerardo Portela, “o risco está presente em todas as atividades humanas. Tudo o que a gente faz envolve riscos”. No entanto, para atividades de aventura, é fundamental uma “análise desse risco”.
Portela enfatiza a importância de se informar tecnicamente. Para um estrangeiro em um local como a Indonésia, é ainda mais crítico coletar dados sobre as condições climáticas, de saúde e os equipamentos necessários.
“Quanto mais informação confiável e técnica você tiver, melhor será a sua decisão entre aceitar ou rejeitar um risco”, afirma Portela. Para ele, um dos possíveis erros no caso de Juliana pode ter sido exatamente a falta de informações sobre as dificuldades e riscos da trilha.
Já a médica especialista em emergência Karina Oliani destaca que a cultura de resgate especializado para montanhistas é pouco comum em muitos países, especialmente em nações mais pobres como a Indonésia.
Ela contrasta essa realidade com o Brasil, que possui equipes altamente capacitadas e treinadas como os bombeiros, Cosmos e Grau, embora ressalte que tais serviços são de custo muito elevado. Para Karina, essa falta de estrutura especializada no exterior significa que, em muitos casos, prevalece a mentalidade de “cada um por si“.
Nesse cenário de “cada um por si”, a especialista enfatiza a importância fundamental de se ter um seguro resgate para lidar com situações de emergência.
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Local do acidente e resgate
Juliana tropeçou, escorregou e caiu a uma distância de cerca de 300 metros da trilha. O Monte Rinjani possui um “terreno atípico”, composto por cinzas vulcânicas compactadas que se comportam como um “lubrificante sólido”.
Portela explica que isso torna as “partículas muito escorregadias”, fazendo com que Juliana continuasse “escorregando” montanha abaixo após a queda inicial.
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Os desafios do resgate foram imensos. A região do vulcão é de difícil acesso, com muita neblina que reduzia severamente a visibilidade e sereno que deixava as pedras escorregadias. O uso de helicópteros, considerado a “última esperança” pela família, foi inviabilizado pelas condições.
Portela detalha que a dinâmica dos regates por meio de helicópteros e salienta a dificuldade na operação de resgate da brasileira.
“Ao se aproximar, o helicóptero desloca muito vento… e o ar volta pro próprio helicóptero, dando uma turbulência que às vezes ele não consegue se sustentar”, afirma.
Além disso, a poeira levantada impede a visão e pode ser ingerida pelos motores, e o rotor pode tocar o terreno íngreme e atípico, tornando o posicionamento da aeronave extremamente difícil. Helicópteros de resgate exigem “condições de voo visual” e um local para pouso estável, condições que não estavam presentes.
Condições e interrupção nas buscas
A irmã de Juliana, Mariana Marins, desmentiu informações falsas de que o resgate havia chegado até ela e entregue suprimentos, afirmando que as equipes não conseguiram alcançá-la devido ao “tamanho insuficiente das cordas e à baixa visibilidade”. As buscas foram interrompidas repetidamente pelo mau tempo.
Portela explica que a interrupção do resgate é uma “decisão muito dura”, mas baseada na análise de riscos.
“Quando você coloca as informações sobre uma matriz de risco… se verifica que o risco maior é de o resgatista virar vítima em relação a salvar a pessoa, então para minimizar o número de vítimas, o resgate é interrompido”, pondera.
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Karina Oliani explica que o uso de helicópteros em operações de resgate, especialmente em ambientes de alta montanha e vulcões como o Monte Rinjani, apresenta dificuldades significativas e muitas vezes intransponíveis.
A principal delas reside na altitude extrema. A 3700 metros de altitude, poucos helicópteros conseguem ter a sustentação necessária para voar. Isso ocorre porque, à medida que se ganha altitude, o ar se torna mais rarefeito, com as moléculas mais separadas, o que impede que as pás do rotor principal gerem a sustentação suficiente para o peso da aeronave.
Para que um helicóptero consiga operar nessas condições, seria necessário um modelo altamente especializado, como um B3, e ainda assim, seriam exigidas medidas drásticas como a remoção de todo o peso desnecessário – assentos, passageiros pesados e até mesmo grande parte do combustível – para tornar a aeronave o mais leve possível.
Dada a complexidade e os riscos envolvidos, a médica Karina Oliani ressalta que, em situações como a do Monte Rinjani, onde as autoridades indonésias enfrentam a impossibilidade de usar helicópteros devido a essas condições, outras tecnologias poderiam ser exploradas.
Ela sugere que, enquanto a vítima ainda estivesse visível, drones especializados em entregar mantimentos poderiam ter sido utilizados para prover itens essenciais como água quente, alimentos para manter a glicemia e roupas para combater a hipotermia e a desidratação, fatores que são fatais em baixas temperaturas.
Histórico
O Parque Nacional do Monte Rinjani registra um histórico preocupante: “oito pessoas morreram e cerca de 180 sofreram acidentes desde 2020”. Quase todos os anos ocorrem acidentes nas trilhas do parque, sendo quedas e torções os mais frequentes.
Um turista brasileiro, Vinicius dos Santos, que desistiu de subir o vulcão em 2023, relatou que “não havia qualquer estrutura de segurança”, descrevendo o turismo na região como “por sua conta e risco” devido à “falta de sinalização, com socorro lento e escasso” e guias sem equipamentos adequados.
O geólogo Marcelo Gramani criticou a “demora no resgate e a falta de planejamento adequado no parque”. Ele questionou a ausência de “medidas até de estruturas que de fato orientem o caminho do turista nesse trecho”, especialmente porque a área já possui um histórico de problemas.
Gramani ressaltou que “a norma é não deixar ninguém sozinho em uma trilha ou em uma situação de risco”. O governo indonésio reconheceu o aumento de acidentes e emitiu um pedido para a criação de um “Procedimento Operacional Padrão (POP) de Busca, Socorro e Evacuação”.
A família de Juliana, que estava “vivendo um sonho de viajar pela Ásia”, também enfrentou dificuldades para acompanhar o resgate devido a conflitos de informações e problemas de logística, como o pai de Juliana que ficou preso em aeroporto por conta de ataques em outra região.
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De acordo com Portela, uma investigação pós-acidente será crucial para “avaliar e o toda a operação de resgate, as decisões que foram tomadas, os recursos que tinham e as condições para fazer o resgate e avaliar se houve alguma falha”.